Quando fui convidado a ser Secretário de Turismo de uma das cidades mais reconhecidas e bem posicionadas no turismo brasileiro, sabia que estava abraçando um grande desafio. O turismo é o maior negócio de Gramado, responsável por cerca de 90% da atividade econômica. É também o setor que concentra cerca de 10% do PIB e do emprego mundial. São inúmeras as suas variáveis e sua inter-relação com outros setores é intensa. Coordenar as políticas públicas do setor que consagrou uma cidade como Gramado, gerando empregos, renda e desenvolvimento ao longo de muitos anos é uma imensa responsabilidade.
Ao falarmos em estratégia de um destino turístico, falamos também em gestão de um produto, que atinge diferente graus de maturidade e que se comunica com públicos que são mutáveis. Não há um padrão temporal rígido. Diante desse grau de maturidade, que só se pode aferir por coleta e análise de dados, se definem as melhores políticas. Não devemos confundir a estratégia de longo prazo de um destino – o plano diretor de turismo – com estratégias de governo para mandatos de 4 anos. A estratégia do destino deve ser superior, deve ter avaliações periódicas e deve envolver toda a governança do destino – pública e privada. A estratégia de governo deve ser dar continuidade aos caminhos traçados pelo plano diretor de turismo da forma mais eficiente possível. A coerência com os demais planos diretores, como o de desenvolvimento integrado, o de mobilidade urbana, o de cultura, entre outros, deve ser observada.
Construir meios para obtenção de dados fidedignos e transformá-los em inteligência de mercado, que garanta respostas rápidas aos gestores, e permita a eles atuar na direção, e não apenas constatar os resultados, é hoje um dos principais desafios dos gestores de destinos. Sem dados, há dificuldade na construção da estratégia e na velocidade de resposta a eventuais desafios.
Todos sabíamos que a transformação digital estava acontecendo e que esta capacidade de captura de dados e resposta rápida pelo canal mais amigável ao viajante se tornaria necessária. Muitos de nós vivíamos como se ela fosse um advento distante. Então, eis que surge a pandemia, agilizando o processo. E com ela, muitas perguntas. Como ser presença, sem ter a presença física do visitante? Como nos manteremos vivos na memória e no desejo dele? Como nossos negócios poderão sobreviver se ele não voltar logo?
Não dispomos, nem nós, nem o restante do mundo, de manuais simples e práticos que contenham estas respostas. A situação é tão única quanto a pandemia. Iniciou-se então, ainda no mês de março, uma profunda troca de informações com diversos agentes e outros gestores, sem perder de vista os projetos próprios para o futuro. Criamos uma rede mundial de apoio, em poucos meses. Nos encontramos todos agora em gestão de crise. E nessa intensa troca, algumas certezas foram reveladas pela pandemia: a gestão dos destinos no momento é de minimização de perdas. Temos visto o quanto a humanidade é frágil. Mais do que nunca, ficou provado que cuidar de pessoas e de negócios são medidas complementares, não excludentes, e que a tecnologia precisa ser usada a favor da humanização. E, ainda, que na gestão, focarmos nas medidas de direção é crucial para garantirmos o retorno à estabilidade e a continuidade das atividades turísticas.
Alguns dos quesitos que considero essenciais para uma gestão turística orientada para o futuro:
ESTRATÉGIA E INOVAÇÃO. A única certeza atual é que tudo muda a todo tempo. Não basta checar o quanto já trilhamos. Precisamos saber quanto ainda falta para o destino. E que no meio da viagem, tudo pode mudar. Na maioria das organizações, focamos demais nas medidas históricas, herança de anos de painéis de controle de metas baseados no balanced scorecard. Público alcançado, títulos conquistados, grandes feitos, percepção de valor de marca. Tudo isso é importante, mas não é suficiente. Precisamos entender onde queremos chegar, quando, e quais são as medidas direcionadoras que estamos tomando – e mensurá-las – para sabermos que estamos tomando o rumo certo ao longo da viagem. A gestão de destinos precisa de um excelente design estratégico – a união de diversos saberes sob o ponto de vista da estratégia – que resulte em inovação contínua e construção de marcas de destinos com coerência. Termos dados, tanto para a mensuração dos indicadores, quanto para mapear as mudanças e tendências (coolhunting) torna-se imperativo.
GOVERNANÇA. Quais são as partes (stakeholders) que fazem o destino funcionar na prática e/ou que são atingidos por ele? Quais são suas responsabilidades, papéis, competências dentro da estratégia? Como se complementam, como se apoiam para o alcance dos resultados esperados? Sem essa ordenação, é muito difícil fazer algo funcionar.
EXPERIÊNCIA. Como fazer as pessoas amarem um destino turístico? Para mim, está claro que o design de serviços traz excelentes respostas. Foco na experiência do visitante. Encontrar as lacunas nos pontos de contato. O destino turístico (leia-se como um conjunto público-privado, onde participam desde os gestores públicos, as empresas e prestadores de serviço) precisa se comunicar da forma certa com o público certo. Investir para atenuar suas dores, para mostrar os ganhos onde esse visitante quer percebê-los. Entender o que ele pensa, fala, observa e escuta. Precisamos ser cada vez mais empáticos. Contar nossas histórias de forma humana, verdadeira, inteligente, com novos recursos, tecnológicos ou não. Permitir que nossas histórias de fundam com a dos visitantes. Ajudá-los a construir as suas. Sermos coerentes com a nossa proposta de valor e comunicá-la com clareza. Temos que entender a experiência turística como uma história contada de forma transmidiática, onde a vivência do destino já se inicia na oferta e cada nova interação e canal seja um capítulo prazeroso dessa história, investindo no potencial de uma jornada mais integrada e seamless. Isso se constrói com marketing, hospitalidade, design e tecnologia empregados em prol da excelência.
TECNOLOGIA. A tecnologia aplicada ao negócio do turismo e às cidades fornece boas fontes de coleta de dados que permitem conhecer quem é esse visitante, de onde vem, como vem, o que deseja, quais são as dores da jornada e as vantagens que ele vê. No entanto, usar a tecnologia sem o design é um risco imenso de fazer um investimento cujo valor não seja percebido e não apresente o retorno desejado. Conhecer mais sobre tecnologias como Big Data Analytics (análise de dados para inteligência de negócio), AI (inteligência artificial), Machine learning (aprendizado de máquina), IoT (internet das coisas) é uma dica. Tudo isso já está disponível no mercado para ajudar nossas ações de marketing e apoiar na assistência turística. Excelente oportunidade para desenvolvermos maior assertividade e obtermos maior retorno sobre os nossos investimentos em promoção turística.
SUSTENTABILIDADE. A Sustentabilidade precisa ser entendida não como uma opção, mas um requisito imperativo para o turismo. Ela é ambiental, social, econômica e político-institucional. A Agenda 2030 da ONU está disponível há 5 anos. O quanto já conseguimos avançar nela nos nossos destinos?
Concluo afirmando que, na estratégia de um grande destino para os próximos anos, vejo o sucesso caminhando ao lado dos destinos que possuam estratégias inovadoras, governança adequada, foco principal na experiência dos visitantes, garantindo assertividade com a tecnologia aplicada à coleta de dados e à jornada dos stakeholders e à sustentabilidade como premissa para o desenvolvimento. Entendo ainda que a gestão de um grande destino turístico rumo ao futuro envolverá a construção de dispositivos que garantam maior resiliência a eventos pandêmicos e desastres naturais e novas experiências através da força de sua marca e produtos.
Por Francisco Rafael Carniel de Almeida (Ex-secretário de Turismo de Gramado e novo Presidente da GramadoTur)
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